José Renan Vasconcelos Calheiros, de 63 anos, alagoano de Murici (a fruta, madura, tem a cor laranja), “era” uma espécie de dono do Senado. Conta-se que até as paredes, ao perceberam sua passagem, diziam: “Ecce homo, não é um Ernest mas é Renan”. Seu poder “era” cantado e decantado em verso e prosa.
Renan Calheiros pertence ao MDB — há quem diga que o MDB pertence a Renan, a Michel Temer, a José Sarney e que ninguém pertence ao MDB — e é um político competente. Sob sua batuta, o Senado funciona, para o bem e, às vezes, para o mal. O conterrâneo de Graciliano Ramos é de uma eficiência rara.
Político sereno, que esbraveja mais como ator (chamar alguém de “canalha”, citando Tancredo Neves e ecoando Shakespeare, refina o xingamento), sabendo o tom apropriado com o qual deve entrar em cena, Renan Calheiros lançou-se candidato a presidente do Senado, pela quinta vez. Parecia acreditar na “imparcialidade” do presidente Jair Bolsonaro? O futuro autor do futuro livro “Vidas Ricas” nada tem de néscio e, por isso, sabe que Onyx Lorenzoni, um político do segundo time mas hoje com a “caneta” nas mãos, jamais articularia abertamente, e contra logo Renan Calheiros, sem a autorização de Bolsonaro.
Com os fatos nas mãos, para destrinchá-los, parte da imprensa, acossada pela pressa, não perdeu tempo. Jornalistas disseram várias coisas. Primeiro: Onyx Lorenzoni derrotou Renan Calheiros. Segundo: as redes sociais “demoliram” Renan Calheiros (tese de um articulista do “Estadão”). Terceiro: o homem de Murici vai se tornar um “adversário” figadal do governo Bolsonaro. Quarto: o alagoano desistiu da disputa ao verificar que Flávio Bolsonaro, o eçaqueirosiano filho do presidente, havia declarado voto em Davi Alcolumbre, que nem a porta do Senado conhece direito.
Há outras possibilidades a apresentar.
Primeiro, ao disputar — ou melhor, ao tentar disputar —, Renan Calheiros não perdeu nada. Ao contrário, mostrou que está vivo e que, diferentemente de senadores que foram soterrados pela implacabilidade dos eleitores, permanece no centro do debate em Brasília, inclusive disputando o Senado. Não fosse a ação do governo, que talvez tenha se assustado com a proximidade entre o alagoano e o petismo, poderia ter sido eleito.
Segundo: Onyx Lorenzoni não derrotou Renan Calheiros. O governo, com sua estrutura ampla, venceu o senador emedebista. Vários senadores estão à espera de algum benefício. Jorge Kajuru e José Antônio Reguffe não querem nada? É provável. Mas há muitos que querem alguma coisa — grande, média ou pequena. Mas alguma coisa. Cargos para aliados, possíveis negócios (católicos ou não) e recursos para seus Estados.
Terceiro: as redes sociais, ainda que influentes, não “arrasaram” Renan Calheiros. A imagem do senador está corroída e, ainda assim, ele permanece influente em Brasília e foi reeleito em 2018. Insistindo: o que decidiu a favor de Davi Alcolumbre foi a ação direta, nada sutil, do governo, personificado na figura de Onyx Lorenzoni. O governo deu o seu recado: não conseguiu eleger o presidente da Câmara dos Deputados — engoliu com habilidade, descendo entre quadrado e redondo, Rodrigo Maia, do DEM — mas elegeu o presidente do Senado.
Quarto: o voto de Flávio Bolsonaro, declarado publicamente em Davi Alcolumbre, não levou à renúncia de Renan Calheiros. Foi o pretexto encontrado pelo perspicaz senador para desistir. Sua mensagem é cartesiana: perdi para o governo, lógico sou “forte” e não “fraco”. Ninguém, de fato, perde para Davi Alcolumbre e, também, Onyx Lorenzoni.
Quinto: por ter um filho governador, em Alagoas, e por senador, com aliados em vários Estados, Renan Calheiros não romperá com um governo que está começando. Só um amador faria isto. Na política o que se diz, inclusive na imprensa, é o conveniente. Na prática, o que se faz é outra coisa. O homem de Murici vai fingir amuo, tão bom ator quanto Marlon Brando e Christian Bale (transcendental e até sobrenatural como Dick Cheney no filme “Vice”), para retirar o maior proveito possível. Ele e Bolsonaro, que nada tem de tolo (é o Lula da direita), sabem disso e vão encontrar um denominador comum. Ninguém deve estranhar se, ao longo do tempo, Renan Calheiros se tornar uma espécie de presidente informal do Senado — auxiliando Bolsonaro com a mestria que Davi Alcolumbre (ganha um creme de murici do Bapi quem pronunciar sem titubear o nome do senador) não tem, mas talvez, um dia, adquira.
Sexto: com a vitória do governo, estranhamente o Senado, longe ficar maior, ficou menor. Tornou-se uma espécie de ministério do governo de Bolsonaro.
Sétimo: com Alcolumbre, ficou-se com a impressão de que a “ética” venceu. Se Jorge Kajuru e Reguffe, que são decentes, acreditam nisto, por conveniência ou não, começaram mal, muito mal. Por ser mais sanguíneo, Kajuru, sobretudo, vai se decepcionar rapidamente.
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