04/06/2020 09:04:34
André Avlis
FUTEBOL: A "Cruz" carregada por Barbosa e o racismo no futebol brasileiro
Um esteriótipo foi criado depois da derrota para o Uruguai, na Copa de 1950. No famoso "Maracanazo".
Barbosa, ex-goleiro da Seleção Brasileira e do Vasco da Gama.

 Dizem que o jogador de futebol morre duas vezes. Moacir Barbosa Nascimento, o Barbosa, morreu três. A primeira morte, no dia 16 de julho de 1950; a segunda, quando parou de jogar e a terceira, a natural de todo ser humano, em 7 de abril de 2000.

Antes de falar sobre o fatídico 'Maracanazo', é bom lembrar qual era o 'status' de Barbosa antes do jogo contra o Uruguai, na Copa de 1950.

O goleiro era tido como um dos trunfos da Seleção Brasileira naquela época. Titular incontestável. Pelo seu talento e desempenho. Era tido como um goleiro corajoso e seguro.

Antes da grande partida, festa. O clima de "já ganhou" foi aclamado pela imprensa, torcida e qualquer ser humano a caminho do Maracanã. Ainda mais pelo discurso do prefeito do Rio de Janeiro na época, Ângelo Mendes de Morais, que começou assim: "Vós brasileiros, a quem eu considero campeões do campeonato mundial..." - nos dias de hoje, uma "zikada". Das grandes.

Tudo o que os Deuses do futebol condenam. Pois não se ganha jogo na véspera, tipo ceia de Natal.

Então, veio o jogo, o Brasil precisando apenas de um empate para conseguir o primeiro título Mundial. A tática de ataque foi emposta, contra a tática defensiva do Uruguai. Nas crônicas da época, falavam sobre a sensibilidade da defesa brasileira. Enquanto o ataque era avassalador.

Tudo igual no primeiro tempo. Aos dois do segundo, gol do Brasil, Friaça. Empate do Uruguai com Schiaffino. E, o pesadelo. Aos 34 do segundo tempo, bola pela esquerda, chute de Ghiggia, bola rente a trave, passa por Barbosa e gol. A partir daí, o fardo começava...

A vida de Barbosa mudou completamente depois desse dia. Olhares tortos, desconfianças e piadas. Citavam a cor de sua pele, fazendo menção a capacidade. O peso de uma derrota foi jogado em suas costas.

Uma pena de morte. Um pensamento guiado pela sociedade, no auge da estupidez humana, colocou em cheque o talento do goleiro negro no futebol. E não sou eu que afirmo, é a história. Um racismo e preconceito nítido, após um jogo de futebol. Onde sempre procuram alguém para pagar o pato.

Crio-se o mito racista do goleiro negro. Falas taxativas do tipo: "goleiro negro não, lembra Barbosa", "será que esse negro serve para o gol?".

Atos racistas que guiaram várias pessoas a ter tais atitudes. Principalmente de categorias de base e iniciação. Fazendo com que vários garotos negros perdessem a coragem de seguir a vida de goleiro. Ou seja, um esteriótipo foi criado. No auge da imbecilidade humana.

Alguns dados são interessantes. De acordo com o escritor Paulo Guilherme, desde criação da Seleção Brasileira, de 1914 a 2006, 92 goleiros foram convocados. Porém, apenas 12 eram negros. Inclusive, a seleção só teve outro goleiro negro, 56 anos depois de Barbosa. Dida, na Copa de 2006.

Casos de preconceito foram descritos e ditos, também, ao longo desse período. A exemplo do que citou, em entrevista, o ex-goleiro do Botafogo, Jeferson.

De herói a vilão. De incontestável a culpado. Barbosa carregou, durante sua vida, uma cruz. Foi crucificado e condenado a ser a lembrança de uma derrota. Um mártir em vida. Escravizado num momento trágico, onde as correntes do pensamento voltavam sempre ao Maracanã. Triste.

Uma segregação anônima, com nomes. Mascarada, com rostos expostos e línguas afiadas. Sociedade.

Um "Cristo" negro com sua cruz. Hoje, descansa. Na eternidade de saber que foi mais que um silêncio numa tarde de domingo no Maracanã. Barbosa.

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