O Maracanã já 'morreu' algumas vezes. Tipo em 1950, no que ficou conhecido como "Maracanaço". Uma das maiores tragédias que ele viveu e presenciou.
Em seus 70 anos, várias mudanças. Uma das principais: sua capacidade de público. Hoje, o estádio pode receber 78.838 pessoas. Número ainda alto, para os padrões da modernização do futebol.
Foi nele também que a insensatez se fez, em meio a uma pandemia. Quando um jogo acontecera ao lado de um hospital de campanha. Uma vitória para alguns em campo; derrota para outros fora (ao lado) dele. Uma mancha em sua história e na de quem é conhecido pelo romantismo.
Agora, imaginem: 'Maraca' lotado. Abarrotado de gente. Vozes cantando e ecoando por toda parte. Frenesi e êxtase em nível máximo. Atmosfera magnética para quem presencia uma das maiores artes, o futebol. Mais de 70 mil pessoas entre sentimentos, dos mais diversos - algo magnífico.
Porém, o que ultrapassa barreiras também ultrapassa números. Se é algo prazeroso imaginarmos o estádio lotado, é doloroso pensar que sua capacidade de público foi excedida. E não por números - por vidas. Pessoas. Alguém que era amor de alguém. Das mais de 80 mil mortes no país por conta da pandemia do novo coronavírus - dados semelhantes ao ataque da bomba atômica de Nagazaki.
O mesmo país que se comoveu com a tragédia de Brumadinho, em 2015, onde 228 pessoas morreram; ou no incêndio na Boate Kiss, em 2013, quando 242 pessoas perderam a vida; ou nas enchentes no Rio de Janeiro, em 2011, quando 918 pessoas se foram. Ou até mesmo no fatídico acidente da Chapecoense.
O mesmo país, que hoje, trata com naturalidade uma média de 1.000 mortes por dia. Normalizando a perda de alguém. Banalizando uma das maiores crises sanitárias da história. Esse mesmo país que se tornou epicentro pelo negacionismo, ignorância e afins.
No meio de todo esse embaraço, o futebol. Retornando como se nada estivesse acontecendo. Das mais grotescas formas possíveis. Cheio de politicagem, arrogância, vaidade e interesses próprios. Na ideia de um 'novo normal' onde não há nada de normal.
Como um mundo paralelo ele segue. Na utópica sensação de que todos os envolvidos estão seguros - e não estão. Basta ver os números de infectados nos clubes do 'alto escalão'. Dos campeonatos que retornaram e tiveram que parar novamente. E de todos os clubes sem a mínima estrutura para arcar com todo aparato do que chamam de protocolo rígido.
Mesmo o amando intensamente, agora, não é hora de voltar. E quando eu falo isso, é pensando na segurança de todos. Não só nos da "elite". Não só de jogadores e comissões técnicas. Mas de tudo e todos que estão ligados de forma direta e indireta. O futebol na forma ampla da palavra.
No entanto, ainda assim vão tentar explicar o inexplicável. Com as mesmas desculpas e argumentos vazios. Tudo normal de quem acha "normal" o que está acontecendo. A realidade do "novo Brasil". Onde um Maracanã 'morreu' e o futebol voltou.
E-mail: [email protected]
Telefone: 3420-1621