29/05/2018 21:56:50
Jacson Tigre
Graciliano Ramos: Veja a biografia de um dos maiores escritores do país
No final uma surpresa
Graciliano Ramos e sua esposa Heloísa na varanda do apartamento em Laranjeiras, Rio de Janeiro, em 1948.

Vamos lá? Acompanhe! 

Biografia do Escritor Brasileiro Graciliano Ramos

Graciliano Ramos (1892-1953) foi um escritor brasileiro. O romance "Vidas Secas" foi sua obra de maior destaque. É considerado o melhor ficcionista do Modernismo e o prosador mais importante da Segunda Fase do Modernismo. Suas obras embora tratem de problemas sociais do Nordeste brasileiro, apresentam uma visão crítica das relações humanas, que as tornam de interesse universal. Seus livros foram traduzidos para vários países. Seus trabalhos "Vidas Secas", "São Bernardo" e "Memórias do Cárcere", foram levados para o cinema. Recebeu o Prêmio da Fundação William Faulkner, dos Estados Unidos, pela obra "Vidas Secas".

Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu na cidade de Quebrângulo, Alagoas, no dia 27 de outubro de 1892. Era o primogênito de quinze filhos, de uma família de classe média do Sertão nordestino. Passou parte de sua infância na cidade de Buíque, em Pernambuco, e parte em Viçosa, Alagoas. Fez seus estudos secundários em Maceió. Não cursou nenhuma faculdade.

Em 1910 foi com a família morar em Palmeira dos Índios, Alagoas, onde seu pai abriu um pequeno comércio. Em 1914 foi para o Rio de Janeiro trabalhar como revisor dos jornais Correio da Manhã e A Tarde. Voltou para a cidade de Palmeira dos Índios onde trabalhou com o pai, no comércio. Em 1927 foi eleito prefeito da cidade, assumindo o cargo em 1928. Mudou-se para Maceió, em 1930, onde assumiu a direção da Imprensa Oficial e da Instrução Pública do Estado.

Graciliano Ramos estreou na literatura em 1933 com o romance "Caetés". Nessa época mantinha contato com José Lins do Rego, Raquel de Queiroz e Jorge Amado. Em 1934 publicou o romance "São Bernardo" e em 1936 publicou "Angústia". Nesse mesmo ano, ainda no cargo de Diretor da Imprensa Oficial e da Instrução Pública do Estado, foi preso sob acusação de participar do movimento de esquerda. Após sofrer humilhações e percorrer vários presídios, foi libertado em janeiro de 1937. Essas experiências pessoais e dolorosas de sua vida, foram retratadas no livro "Memórias do Cárcere", publicado após sua morte. O romance "Vidas secas", escrito em 1938 é a sua obra mais importante.

Graciliano Ramos seguiu para o Rio de Janeiro, onde fixou residência e foi trabalhar como Inspetor Federal de Ensino. Em 1945 ingressou no Partido Comunista brasileiro. Em 1951 foi eleito presidente da Associação Brasileira de Escritores. Em 1952 viajou para os países socialistas do Leste Europeu, experiência descrita na obra "Viagem", publicada em 1954, após sua morte.

Graciliano Ramos faleceu no Rio de Janeiro, no dia 20 de março de 1953.

Obras de Graciliano Ramos

Caetés, romance, 1933
São Bernardo, romance, 1934
Angústia, romance, 1936
Vidas Secas, romance, 1938
A Terra dos Meninos Pelados, literatura juvenil, 1942
História de Alexandre, literatura juvenil, 1944
Dois Dedos, literatura infantil, 1945
Infância, memórias, 1945
Histórias Incompletas, literatura infantil, 1946
Insônia, contos, 1947
Memórias do Cárcere, memórias, 1953
Viagem, memórias, 1954
Linhas Tortas, crônicas, 1962
Viventes das Alagoas, costumes do Nordeste, 1962

Graciliano Ramos, sem dúvida, simplesmente um fenômeno! Veja duas cartas de amor, que foram enviadas para sua amada na época. 

Cartas de amor a Heloísa

Heloísa,

Chegaram-me as duas linhas e meia que me escreveste. Pareceram-me feitas por uma senhora muito séria, muito séria! muito antiga, muito devota, dessas que deitam água benta na tinta.

Tanta gravidade, tanta medida, só vejo em documentos oficiais. Até sinto desejo de começar esta carta assim: "Exma.Sra.: tenho a honra de comunicar a V. Exa., etc".

Onze palavras! Imagino o que um indivíduo experimenta ao receber onze palavras frias da criatura que lhe tira o sono? Não imaginas. E sabes o que vem a ser isto de passar horas acordado, sonhando coisas absurdas? Não sabe. Pois eu te conto.

Sento-me à banca, levado por um velho hábito, olho com rancor uma folha de papel, que teima em tornar-se branca, penso que o Natal é uma festa deliciosa. Os bazares, a delegacia de polícia, a procissão de Nossa Senhora do Amparo... E depois o jogo dos disparates, excelente jogo. "Iaiá caiu no poço". Ora o poço! Quem caiu no poço fui eu.

Principio uma carta que devia ter escrito há três meses, não posso concluí-la. Fumo cigarros sem contar, olhando um livro aberto, que não leio. Dançam na minha cabeça uma chusma de idéias desencontradas. Entre elas, tenaz, surge a lembrança de uma criaturinha a quem eu disse aqui em casa, depois da prisão do vigário, nem sei que tolices.

Apaga-se a luz, deito-me. O sono anda longe. Que vieste fazer em Palmeira? Por que não te deixaste ficar onde estavas?

Não consigo dormir. O nordeste, lá fora, varre os telhados. Na escuridão vejo distintamente essa mancha que tens no olho direito e penso em certa conversa de cinco minutos, à janela do reverendo. Por que me falaste daquela forma? Desejei que o teto caísse e nos matasse a todos.

Andei criando fantasmas. Vi dentro de mim outra muito diferente da que encontrei naquele dia.

Por que me quisestes? Deram-te conselhos? Por que apareceste mudada em vinte e quatro horas? Eu te procurei porque endoideci por tua causa quando te vi pela primeira vez.

É necessário que isto acabe logo. Tenho raiva de ti, meu amor.

Fui visitar o Padre Macedo.

Falou-me de ti, mas o que me disse foi vago, confuso, diante de dez pessoas. É triste que, para ter notícias tuas, minha filha, eu as ouça em público. Foram minhas irmãs que me disseram o dia do teu aniversário e me deram teu endereço.

Tinha razão quando afirmaste que entre nós não havia nada. Muito me fazes sofrer.

É preciso que tenhas confiança em mim, que me escrevas cartas extensas, que me abras largamente as portas de tua alma.

Beijo-te as mãos, meu amor.

Recomendo-me aos teus, com especialidade a dona Lili, que vai ser minha sogra, diz ela. Acho-a boa demais para sogra.

Amo-te muito. Espero que ainda venhas a gostar de mim um pouco. Teu Graciliano.

Palmeira, 16 de janeiro de 1928.

Heloísa

Quando recebi tua carta, tremi de susto...

Minha adorada: recebi quinta-feira tua carta de 31 do mês passado. Não te respondi logo porque tencionava ir a Maceió amanhã. Infelizmente uma visita de última hora veio obrigar-me a retardar a viagem, privando-me do maior prazer que eu poderia experimentar agora. Tem mais um pouco de paciência, espera mais alguns dias.

Quando recebi tua carta, tremi de susto, pois a angústia em que vivi uma semana por não me chegarem notícias tuas era horrível e me trazia toda a sorte de pressentimentos dolorosos. Ao ler o que me disseste, porém, apareceu-me uma alegria imensa. Não calculas o bem que me fizeste. Vejo perfeitamente que não tenho razão para ser hoje mais feliz do que era ontem, sei que escreveste aquilo forçada pela insistência quase impertinente que tenho adotado para contigo. Mas como és boa! Procuras dar-me a ilusão de que me amas, e isto me enche de gratidão infinita. Não tenho agradecimentos que bastem. Evitas a palavra precisa, fazes apenas um a e uma série de pontos, mas confessas que acreditas em mim, parece que ficaste contente com a minha pobreza, explicas como podes a indecisão e a reserva que tanto me fizeram sofrer.

A prefeitura? Sim, foi ela que interrompeu a viagem que eu tinha certa para amanhã. A propósito: que história é essa de posição elevada? Enganaram-te, minha filha. Para os cargos de administração municipal escolheram a preferência os imbecis e os gatunos. Eu, que não sou gatuno, que tenho na cabeça alguns parafusos de menos, mas não sou imbecil, não dou para o ofício e qualquer dia renuncio. Por tua culpa, meu amor, toco num assunto desagradável e idiota. Isto não vale nada.

Dizes que brevemente serás a metade de minha alma. A metade? Brevemente? Não: já agora és, não a metade, mas toda. Dou-te a alma inteira, deixa-me apenas uma pequena parte para que eu possa existir por algum tempo e adorar-te.

Humilhada porque és filha dum empregado público? Quem te falou em semelhante coisa? Se fosses filha do imperador do Japão, não me quererias, é claro, nem me verias nunca; mas se teu pai fosse um assassino, não deixarias por isso de ser Heloísa: eu te amaria como te amo e me casaria contigo.

Levantas uma pequena ponta do véu que estendes sobre o que escreves: "lamentas não terem sido mais venturosos para nós" os dias que aqui passaste. Há uma reticência no fim. E lá se foram por água abaixo os nervos fortes da moça. Falas nas lutas que tiveste, nas incertezas que que te faziam avançar e recuar, nas esperanças e nas tristezas que sentias. Afinal gozavas de mim. Pouco, muito pouco, dona Lili me disse. Mas és tão boa, tens um coração tão grande, minha filha, que o pouco que me davas era demasiado para mim.

"Sonho do meu poeta"? Que é lá isso? Quando me chamaste romântico, perguntei-te por brincadeira se não ias chamar-me também poeta. Pensarás acaso que eu, quitandeiro e homem de ordem, me entregue a ocupações tão censuráveis?

Há uma pequena incoerência em tua carta. Declaras que ignoravas se o que "diziam os meus modos diziam também o meu coração", e pouco adiante afirmas que tinhas a certeza de que "eras amada". Tinha ou não tinha? Tinhas. Quando me convidaste para passar um dia em casa do vigário, não viste como fiquei? Ouvindo a tua fala e dando de cara contigo, sem esperar, fiquei tão perturbado que nem sei que tolices disse. E quando te peguei, não me lembrei de soltá-la. Creio que ainda hoje a teria segura se dona Lili, falando-me, não sugerisse a vaga idéia de que era necessário cumprimentá-la também.

Amo-te com ternura e com saudade: a indignação e o ódio desapareceram. E como poderiam existir depois da carta que me escreveu a melhor de todas as criaturas, santa bendita exilada entre as mulheres, cheia de graça, que em breve dará calor e luz à vida escura e fria que levo? Romantismo, minha querida Heloísa, romantismo, e ruim.

Perguntas-me quando vou. Oh! meu Deus! Eu queria ir amanhã, desfiz a viagem a pouco. E estou aflito. O que eu devia fazer era deixar que o diabo levasse tudo e fugir para junto de ti. E é o que farei.

Acreditar na grande sinceridade de Heloísa? Decerto. Acredito em tudo quanto quiseres.

Graciliano Ramos
(s/ data)

Fonte: https://www.ebiografia.com/ I https://www.pensador.com/ I  http://www.geocities.com/gracilianoramos/cartade.htm

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