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Alagoas
Postada em 06/07/2025 23:11 | Por Todo Segundo

Alagoas vira palco de denúncia sobre massacre silencioso de burros no país

Animais são abatidos em larga escala para atender indústria chinesa de colágeno
Especialistas alertam em Alagoas para massacre silencioso que ameaça os burros - Foto: Proteção Animal Mundial

Os burros (Equus asinus), animais historicamente ligados ao cotidiano do sertanejo e parte viva da paisagem do interior nordestino, enfrentam uma ameaça grave à sua sobrevivência. Um alerta soou forte em Alagoas durante o 3º?Taller sobre Burros de Brasil, realizado em Maceió, onde especialistas, pesquisadores e defensores da causa animal discutiram o avanço do abate desses animais para exportação de suas peles — destinadas majoritariamente à produção de ejiao, uma gelatina medicinal usada na medicina tradicional chinesa.

A situação, segundo os especialistas, é alarmante. Estimativas da Frente Nacional de Defesa dos Burros apontam que entre 1996 e 2025 o Brasil perdeu 94% de sua população de asinos — categoria que inclui burros, bestas e jumentos. A extinção local pode se tornar realidade nos próximos anos caso não haja uma reação imediata.

“É um tema que preocupa o mundo todo. A situação de Brasil e do planeta em relação aos burros é extremamente grave”, afirmou o professor Adroaldo Zanella, da USP, durante o evento na capital alagoana.

O ponto crítico está na alta demanda por ejiao, um produto valorizado na Ásia por suas supostas propriedades medicinais. Segundo a organização internacional The Donkey Sanctuary, o número de burros abatidos no mundo cresceu 160% entre 2016 e 2021. Apenas em 2021, 5,6 milhões de animais foram sacrificados — e a projeção é de que esse número chegue a 6,8 milhões até 2027.

No Brasil, não há uma cadeia produtiva formal para a criação desses animais, tampouco regulação suficiente para garantir seu bem-estar. Estudos apontam que o abate é feito em condições precárias, com sinais claros de maus-tratos, abandono, desnutrição e violência.

“Além da ameaça à espécie, o transporte e o sacrifício sem controle favorecem a disseminação de doenças, inclusive zoonoses, que afetam humanos e outros animais”, alerta relatório do The Donkey Sanctuary.

No interior de Alagoas e em várias partes do Nordeste, o burro ainda é instrumento de trabalho essencial, especialmente para agricultores familiares. “Eles atuam em áreas de difícil acesso, como plantações de cacau ou transporte de água. São resistentes, dóceis e inteligentes”, explica a veterinária Patrícia Tatemoto, coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil.

Ela reforça que o burro não é apenas um animal de carga: “São companheiros de vida para muitas famílias, e têm grande valor social e afetivo”.

O processo reprodutivo dos burros é demorado: uma gestação leva 12 meses e a maturidade para abate só ocorre por volta dos três anos de idade. Isso encarece a criação e aumenta a pressão sobre indivíduos em vida livre ou sem donos identificados.

Uma saída possível seria a substituição do colágeno retirado da pele do animal por versões sintéticas produzidas em laboratório. “A fermentação de precisão é uma alternativa real e promissora. Já existem tecnologias capazes de produzir colágeno de forma ética, sem explorar animais”, defende Roberto Arruda, doutor em Economia Aplicada pela USP.

O fato de o encontro ter ocorrido em Maceió coloca Alagoas no centro do debate nacional sobre a preservação dos burros. O estado, que ainda guarda um número significativo desses animais em zonas rurais, também sofre com denúncias de abate irregular e tráfico para outros estados e até para o exterior.

O 3º Taller sobre Burros de Brasil reuniu representantes de universidades, ONGs e órgãos públicos. O evento teve como meta propor políticas públicas, estratégias de fiscalização e campanhas de conscientização.

“Proteger os burros não é apenas uma causa animal. É uma questão de cultura, de identidade regional e de justiça social”, concluiu Tatemoto.

Ejiao é uma gelatina tradicionalmente usada na medicina chinesa, feita a partir do colágeno da pele dos burros. Acredita-se que ela tenha propriedades benéficas para circulação sanguínea, pele e fertilidade. Com o aumento da demanda no mercado asiático, milhares de animais são abatidos ilegalmente ao redor do mundo para suprir essa indústria.

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