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Postada em 24/04/2016 10:44 | Atualizada em 24/04/2016 22:12 | Por Todo Segundo

O impeachment da presidente Dilma: Renan, o Cunha do Senado

Pelo apego ao poder e o currículo cheio de acusações, o homem que comandará o novo ato do impeachment
O impeachment da presidente Dilma: Renan, o Cunha do Senado - Foto: Ueslei Marcelino/REUTERS
Da Revista ISTOÉ

Começa o segundo ato do mais espetacular embate político das últimas décadas. Muda-se o cenário e o mestre de cerimônias. Um deixa os holofotes – a contragosto, é verdade – e abre espaço para o outro brilhar. Um espectador desavisado – que perdeu a cena em que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entregou ao seu par do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o comando do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, na segunda-feira 18 – pode, no entanto, achar que continua preso na mesma novela de dias atrás, mas que parte da plateia começou a achar que o vilão virou mocinho.

É uma confusão compreensível, justificada pela incrível semelhança entre os dois protagonistas do Congresso. Pelo apego ao poder, a disposição de manipular o Legislativo e a capacidade de acumular acusações de corrupção e outras ilegalidades sem serem punidos, pode-se dizer que Renan é o Cunha do Senado. Ou, sob outra ótica, que Cunha é o Renan da Câmara.

Seja pelos estilos políticos, seja pelos currículos manchados, tanto o homem que sai de cena como aquele que entra no foco principal do julgamento de Dilma são, da mesma forma, nocivos ao País. Deveriam ser apeados dos cargos que ocupam e já teriam sido não fossem as infindáveis manobras que comandam nas casas que dirigem e a lentidão com que o Judiciário analisa os processos que correm contra ambos. Os interesses políticos que os cercam, porém, é os que os distingue. Até domingo 17, data da votação que aprovou na Câmara o encaminhamento do impeachment para o Senado, o governo e seus aliados apontavam que, em função das acusações que sofria na esfera da Operação Lava Jato, Cunha não tinha legitimidade para conduzir o processo. Agora que o caso está nas mãos de Renan, também alvo dos investigadores da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República, não fazem ressalvas e até lhe servem de claque.

O show de Renan tem andamento diferente do de Cunha. Na terça-feira 19, o presidente do Senado anunciou em plenário o rito do processo de impeachment na Casa. Enquanto o fluminense adotou o modelo de decisão autocrática, a fala do alagoano foi precedida por reuniões com os líderes partidários, com Dilma e até com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski. Respaldado pelo Regimento Interno da Casa, o senador optou por um roteiro mais demorado.

A instalação da comissão especial que analisará a admissibilidade do pedido está prevista somente para a segunda-feira 25. A oposição protestou, usando o mesmo regimento para reivindicar um rito mais abreviado – é o que a sociedade brasileira espera em momento tão delicado do país. Além de não ceder aos apelos dos adversários, Renan comunicou ainda sua decisão de transferir ao ministro Lewandowski toda a condução do processo caso ele seja admitido, e não só o julgamento do mérito.

“O Senado não está fazendo noticiário do dia-a-dia, está fazendo a história do Brasil. Então, nós temos de agir com toda a responsabilidade”, disse Renan. “Meu compromisso com a história não permitirá que eu seja chamado de canalha, por ter atropelado o prazo da defesa ou por ter dado mais um dia para o prazo da denúncia. Eu não vou escrever esse papel na história do Brasil”. Os governistas aplaudiram.

A tese da falta de legitimidade de Cunha foi reproduzida à exaustão pelos aliados de Dilma durante a votação na Câmara. O deputado fluminense é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) e alvo de um pedido de afastamento do cargo de autoria do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. No segundo ato, porém, a Lava Jato que servia ao governo como argumento para contestar Cunha já não vale, pelo menos para o elenco da situação, em relação a Renan.

A decência legitimamente exigida por governistas de Cunha simplesmente se torna desimportante quando o condutor do processo de impeachment é notadamente um “contemplador” de interesses do governo. Isso porque a esperança de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de barrar o inevitável andamento do processo de impeachment está depositada no presidente do Senado. O alagoano é hoje o integrante do PMDB que melhor conversa com o Palácio do Planalto, além de ter uma relação atritada com o vice-presidente, Michel Temer. Mas, a exemplo, de Cunha tem sérios problemas com a Justiça. O senador é alvo de nada menos que nove inquéritos no STF, suspeito de ser um dos beneficiários do Petrolão. Assim, a indignação que vale para Cunha deveria valer para Renan.

Mas não é apenas o protagonismo no processo de impeachment que coloca o presidente do Senado sob os holofotes. Na segunda-feira 18, enquanto Renan recebia das mãos de Cunha a decisão da Câmara pela admissibilidade do processo de impeachment contra Dilma, o ex-diretor internacional da Petrobras Néstor Cerveró prestava depoimento ao juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato no Paraná. Cerveró acrescentou mais suspeitas contra o presidente do Senado no escândalo. Delator da Lava-Jato, o ex-diretor disse que Jorge Luz, um lobista ligado ao PMDB acusado de ser um operador de propina que agia na Petrobras, repassou dinheiro desviado da estatal para Renan.

“(O Jorge Luz)Eu conheci o Jorge Luz, (...), também faz parte de uma propina que eu recebi, que faz parte da minha colaboração na Argentina. E foi o operador que pagou os US$ 6 milhões da comissão. Da propina da sonda Petrobras 10.000, foi o Jorge Luz encarregado de pagar ao senador Renan Calheiros...”, disse Cerveró, interrompido logo em seguida pelo juiz Moro, por não ser o assunto objeto da audiência naquela tarde e por envolver autoridade com direito a foro especial. Nesse caso, também as atuações de Renan e Cunha se confundem. Essa mesma sonda também teria rendido propina ao presidente da Câmara, situação que já está sendo tratada pelo Supremo. Segundo Cerveró, Renan e Cunha teriam participado de operações que renderam cerca de US$ 35 milhões em propinas.

Cunha pode estar agora fora da cena principal, mas é importante que não seja esquecido. Ou melhor, que seja afastado definitivamente do palco político. A procuradoria já apresentou duas denúncias contra ele, uma delas já julgada e transformada em ação penal. Renan deveria segui-lo para fora do palco. Em mais de uma oportunidade Cunha acusou Janot de ser seletivo nas investigações da Lava-Jato. Sem citar nomes, o deputado chamou a atenção de não haver até o momento denúncias contra políticos próximos do Planalto. Entre outros, o presidente da Câmara inclui nesse pacote o colega de partido que preside o Senado. Cunha e Renan começaram a ser investigados em março do ano passado, na leva de inquéritos abertos contra dezenas de políticos. Um exemplo citado sobre o ritmo das investigações contra Renan no Supremo foi o caso dos bois de Alagoas.

Em janeiro de 2013, às vésperas de ser escolhido para presidir o Senado, Renan foi acusado de apresentar à Casa notas frias e documentos falsificados para justificar a origem do dinheiro em espécie que um lobista ligado à Mendes Júnior, empresa investigada no Petrolão, entregava à mãe de sua filha, a título de pensão. O escândalo ocorreu em 2007. A procuradoria imputou ao presidente do Senado crimes de peculato (desvio de dinheiro público), falsidade ideológica e uso de documento falso. Decorridos três anos, o Supremo ainda decidirá se processa Calheiros pela acusação de ter tido despesas pessoais bancadas por uma empreiteira – e parte desta denúncia acabou prescrevendo.
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No caso da Lava-Jato, Renan é investigado no inquérito conhecido como “quadrilhão”, aberto para apurar a participação de políticos em desvios na Petrobras. São dezenas de deputados e senadores relacionadas nessa apuração. Existem mais oito frentes de apuração. Há suspeitas contra ele de receber propina relacionada a um acordo entre a Petrobras e o Sindicato dos Práticos, profissionais que atuam na orientação naval. Os pagamentos estariam relacionados a reajuste na tabela da categoria. O presidente do Senado foi também relacionado a suspeitas de desvios envolvendo a Transpetro, braço de logística da Petrobras.

 Apadrinhado político de Renan, Sérgio Machado comandou a subsidiária de 2003 a 2015. Machado é investigado por suspeitas de receber propina. Delator da Lava-Jato, Carlos Alexandre de Souza Rocha, conhecido como Ceará e entregador de valores de Alberto Youssef, afirmou que ouviu o doleiro dizer que daria R$ 2 milhões a Renan para evitar a instalação de uma CPI no Congresso para investigar corrupção na Petrobras.

Segundo Ceará, Youssef pediu a ele para entregar R$ 1 milhão a Renan em Maceió, o que teria sido feito. Renan foi acusado ainda pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa de tráfico de influência em prol da empresa Serveng-Civilsan, interessada em prestar serviços à estatal. As tratativas foram intermediadas pelo deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE), aliado do presidente do Senado. Questionado sobre essas acusações, Renan negou seu envolvimento em irregularidades. Para o Planalto, as negativas são convincentes.
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