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Alagoas
Postada em 10/07/2025 08:42 | Atualizada em 10/07/2025 08:49 | Por Todo Segundo

Seis anos após desastre do óleo, Alagoas ainda espera reparação e justiça

Mesmo com provas e indiciamentos, nenhuma medida alcançou as famílias afetadas
Sem respostas, o Estado de Alagoas segue aguardando justiça por crime ambiental de 2019 - Foto: Reprodução

Seis anos após o aparecimento das primeiras manchas de óleo no litoral do Nordeste, Alagoas continua convivendo com as consequências de um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil. O vazamento, que se espalhou por mais de 3.600 quilômetros da costa brasileira a partir de agosto de 2019, atingiu diretamente praias e comunidades pesqueiras em municípios como Maceió, Coruripe, Jequiá da Praia, Barra de São Miguel, Marechal Deodoro, entre outros.

Apesar do tempo transcorrido, nenhum responsável foi punido. O Ministério Público Federal (MPF), que conduz a investigação criminal por meio da Procuradoria da República no Rio Grande do Norte, informa que a apuração ainda depende de informações de autoridades estrangeiras. “Ainda existem incertezas sobre a autoria, com respostas pendentes de autoridades estrangeiras”, disse.

Alagoas foi um dos estados mais afetados pela tragédia ambiental. Toneladas de óleo foram retiradas das praias por mutirões organizados entre moradores, servidores públicos e voluntários. As áreas de manguezal e recifes foram severamente impactadas, comprometendo a biodiversidade e a subsistência de comunidades pesqueiras.

O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA-AL) e prefeituras locais chegaram a relatar que o material coletado era altamente tóxico, gerando riscos à saúde e à fauna marinha. Mesmo assim, muitos pescadores artesanais nunca foram formalmente indenizados ou reconhecidos como vítimas diretas do desastre.

A campanha Mar de Luta, que reúne organizações comunitárias, pesquisadores e entidades de direitos socioambientais, aponta que em Alagoas há insegurança alimentar e queda de renda em comunidades tradicionalmente dependentes da pesca artesanal desde o vazamento.

“A gente vive com incerteza. Os efeitos do óleo ainda estão aqui, nos mangues, nos peixes. E ninguém foi responsabilizado”, afirma um pescador da região de Coruripe, ouvido pela reportagem.

O Plano Nacional de Contingência, mecanismo criado para emergências ambientais como essa, só foi acionado mais de 40 dias após o surgimento das primeiras manchas. Segundo o Ibama, a demora agravou os danos. Em Alagoas, prefeituras de cidades litorâneas arcaram com custos de contenção e limpeza, muitas vezes sem auxílio técnico ou financeiro imediato da União.

Relatórios da Câmara dos Deputados e do Senado Federal indicam que houve omissão de órgãos federais no início da crise, o que comprometeu a resposta rápida e eficaz à catástrofe. A CPI do Derramamento de Óleo, instalada em 2019, encerrou seus trabalhos sem responsabilizações formais.

Em dezembro de 2021, a Polícia Federal (PF) concluiu uma etapa das investigações, apontando o navio grego Bouboulina, da empresa Delta Tankers, como a provável origem do vazamento. A empresa e dois tripulantes foram indiciados, mas o processo corre sob sigilo, impedindo que a sociedade e os próprios afetados acompanhem os desdobramentos.

A Advocacia-Geral da União (AGU) informou que não há processo indenizatório em andamento contra a empresa, e o Ibama não aplicou nenhuma multa até o momento. A justificativa é de que o indiciamento por si só não é suficiente para sanções administrativas.

“Se um caso dessa gravidade fica impune, isso fragiliza toda a política ambiental brasileira”, alerta a advogada Ingrid Zanella, especialista em direito marítimo.

De acordo com o Ibama, o custo da operação de contenção do óleo em todo o país ultrapassou R$ 187 milhões. A Marinha gastou mais de R$ 128 milhões e a Petrobras, chamada a colaborar emergencialmente, estimou gastos de R$ 43 milhões — sendo ressarcida em parte pelo Ibama.

No caso de Alagoas, os valores investidos por prefeituras e órgãos estaduais não foram devidamente contabilizados ou ressarcidos. Até hoje, muitos municípios que atuaram na linha de frente não receberam nenhum tipo de compensação financeira.

Movimentos sociais e lideranças das comunidades tradicionais cobram do Estado brasileiro respostas mais concretas e ações efetivas. A campanha Mar de Luta lista cinco reivindicações principais:

  • Reconhecimento da gravidade do crime ambiental;
  • Recuperação ambiental integral das áreas afetadas;
  • Reparação econômica e social às comunidades atingidas;
  • Punição dos responsáveis diretos e indiretos, incluindo autoridades públicas que falharam;
  • Fortalecimento da legislação ambiental e dos territórios tradicionais pesqueiros.

E O FUTURO?

Com o inquérito em sigilo, sem ações judiciais em andamento e sem multas aplicadas, o caso do derramamento de óleo de 2019 caminha para se tornar um exemplo emblemático de impunidade ambiental. Para Alagoas, que depende do turismo e da pesca para sustentar milhares de famílias no litoral, a ausência de respostas concretas representa não apenas um retrocesso jurídico, mas também um risco social e econômico contínuo.

A incerteza sobre os responsáveis, a demora nas investigações e a ausência de reparações colocam em xeque a capacidade do Estado brasileiro de proteger seu patrimônio ambiental e garantir justiça às populações tradicionais.

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